No Plaza, em Nova Iorque

Éramos dois, o Emídio Rangel e eu. Entrámos no Hotel Plaza e julgo que ainda sentimos o sopro do fantasma de John Kennedy a sair. Talvez às nossas narinas tenha mesmo aflorado uma fragrância de Judith Campbell. E não fosse o perfume dessa mulher, olhos violeta como os de Liz Taylor, eu não contaria esta história.

Já não sei que quartos nos deram no Plaza, ao Emídio e a mim. E se, inadvertidamente, algum de nós ficou no 1651? Quase 40 anos antes, foi nesse quarto que Kennedy pela primeira vez beijou e foi beijado por Judith. Apresentara-os Frank Sinatra, em Las Vegas, um mês antes.

Também nós regressávamos de Las Vegas, com paragem em Nova Iorque. Eram umas rigorosas cinco da tarde de sexta-feira e desaguámos na 5th Avenue. Surpresa: uma grossa multidão enchia a boca do metro, trânsito cortado, as sirenes de 50 carros de polícia estridulando o ar. Corremos como meninos para essa New York de filme. A irradiante simpatia de uma afro-americana de 150 quilos, toda honey, honey, explicou-nos: a polícia perseguia três bandidos que tinham feito reféns os passageiros do metro. Polícias, coletes anti-bala, metralhadoras, cães, desciam para o subterrâneo. Eu achava que já tinha visto tudo. O Emídio achou que ainda não tínhamos visto nada: “Vamos lá abaixo!” Não podíamos, ia responder. Dei por mim, já tínhamos aldrabado a segurança e estávamos na plataforma, carruagens paradas, polícias em posição de fogo atrás de cada coluna. Levado de arrasto pelo Emídio.

A montanha pariu o habitual rato. Eram três carteiristas topados em flagrante. Na perseguição, um polícia disparou sobre o próprio pé e o “officer down” fez vir a cavalaria. Além do polícia, uma bela mulher madura espetou o seu salto agulha no calcanhar e foi a primeira vez que vi um título de primeira página do NY Times, ao vivo, antes de ser publicado.

John Kennedy não disparou sobre o próprio pé. Disparou sobre o amor de Judith. Ela amou-o como ele não amou ninguém. Sabendo da amizade platónica dela com o mafioso Sam Giancana, John pediu-lhe que lhe arranjasse encontros clandestinos com esse Sam que se derretia com ela. E o mafioso Sam lançou o tapete eleitoral que deu a John a vitória nas primárias democráticas e depois na grande eleição americana. Foi um Kennedy aos tiros nos pés da democracia.

Os nossos pés levaram-nos ao Blue Note e trouxeram-nos às três da matina para o remanso do Plaza. Tive então uma taquicardia de alto lá com ela. Chamei o 911. Tudo tratado, liguei ao Emídio para o avisar. O que fui fazer! Aparece-me num flash e “vou contigo”. Não houve não que o travasse. No hospital, barraram-no. Estou eu nas amenas mãos de uma médica brasileira e entra o boss de um gangue negro, facada no ventre, dois polícias a segurá-lo, uma chuva de fucks e motherfucker a alegrar as urgências. A médica diz-me: está o gangue lá fora, uns 20. Acho que me passou a taquicardia. Já imaginava o Emídio a ser alvo do bullying de um gangue sem chefe, na madrugada de Nova Iorque. Salve o meu amigo, pedi à médica. Ela salvou-o. E o Emídio chegou-me, intocado e a contar: o boss fora esfaqueado pela namorada que descobriu andar ele a enganá-la com outra do gangue. No gangue, uns apoiavam a namorada, outros a nova amante. Entretidos com Shakespeare, nem olharam para ele.

Depois do mafioso ajudar a eleger Kennedy e o escaldante romance de Judith ter sido revelado por um comité do congresso, também os conselheiros do falecido presidente negaram ter algum dia visto Judith Campbell. “De Campbell só conheço as sopas”, disse um.

2 thoughts on “No Plaza, em Nova Iorque”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.