Há meses que não dou sinal de vida, nem deixo as bicas curtas que publico CM, nem sequer as crónicas que escrevo no Jornal de Negócios. Podia arranjar as mais desvairadas desculpas, mas estive a organizar um livro com tudo o que Fernando Pessoa disse de António de Oliveira Salazar. Com textos meus, também. E já estou a organizar outro, que há de contar o currriculum vitae de Deus. Peço desculpas aos meus leitores da Página Negra.
Como aperitivo para a leitura desses livros – o de Pessoa/Salazar está nas livrarias daqui a duas semanas, mas já o podem catrapiscar no site da Guerra e Paz – deixo-vos aqui um bocadinho de Ava Gardner. Para matarmos saudades uns dos outros.

Eu ia dizer Ava Gardner, mas não, o que é mesmo histórico, é que também o Bloco de Esquerda já foi virgem. A actriz Ava tinha 18 ou 19 anos, o corpo atropelado pela saúde e beleza de uma pele e umas mucosas coradas e hidratadas. Passeavam-lhe o seu metro e sessenta e oito de virgindade pelos exaltantes estúdios da MGM e ela vê, em cima de uns saltos altos, um rapazinho vestido de mulher, turbante de bananas e abacaxis sobre a cabeça, a menear-se como se fosse uma Carmen Miranda. As cores da blusa e saia eram inescapáveis e os olhos de Ava Gardner fixaram-se e deslumbraram-se com esse inenarrável arco-íris.
O metro e cinquenta e sete tinha nome, chamava-se Mickey Rooney, e Ava Gardner, que ainda não era uma estrela, entregou-lhe a sua virgindade. O casamento durou apenas um ano, muito menos do que o enlace amoroso do Bloco e do PS. E veja-se, foi a infidelidade anã de Rooney que obrigou Ava, a deslumbrante Ava, a mulher mais bela ou felina do mundo, a deixá-lo, incapaz de perdoar, o que o Bloco fez, vivendo o seu primeiro romance, sem pruridos burgueses, no melancólico sossego de um ménage à trois.
O metro e cinquenta e sete do curto Mickey media mais qualquer coisa. Sabemos o que Ava Gardner disse dele a outra actriz, e não estava a falar de cortesias: “Não havia truque do livro que ele não conhecesse.” Foi mais terra a terra, telúrica até, quando um jornalista de Chicago, a provocou, já ela era casada com o pau de virar tripas Frank Sinatra. “Ava, o que vês num tipo que só pesa 119 libras?”. Não era uma pergunta, era um ultraje. Ava respondeu-lhe com a espontaneidade e a legítima soberba de um primeiro-ministro: “Bom, vou dizer-te, 19 libras são só de c…” acabando a palavra com todas as progressistas letras que as minhas recalcadas reticências abafam.
Não obstante, na primeira vez em que Ava e Frank saíram juntos – já Ava despachara dois casamentos – era alta noite e meteram-se de carro em direcção a uma small town, como quem apaixonadamente leva a namorada de Lisboa às flamíferas duas da manhã de Corroios. Dois beijos, mãos por aqui e por ali, Sinatra saca de uma pistola. De pé, no seu descapotável, dispara um, dois, três tiros para o glorioso espaço. Logo Ava lhe tira a pistola da mão e dispara, partindo os vidros de uma janela mais próxima. Arma-se uma giga: ou seja, o povo de Corroios, que na altura vivia nessa small town, arriou a giga. Salvou-os a polícia de Hollywood chamada à pressa e em transe.
De Ava, Rooney dizia que ela era red, uma vermelha. Fosse para lhe dar razão, bons anos depois, essa mulher leopardo foi a Cuba falar com Fidel Castro. Fidel atapetou-lhe os passos com flores, vestiu-lhe as noites a “cubas libres”, sentou-a no gabinete que partilhava com Che e com su hermano Raul. Primeiro nos ouvidinhos, depois escorrendo pelos seus yankees ombros nus, o idealismo revolucionário, o suave milagre do discurso que tão bem a boca do Bloco entoa, magnetizou Ava.
Mas outra mulher, a alemã Martina Lorenz, que a CIA mandara a Cuba para degolar ou envenenar Fidel, tradutora de que el comandante precisava para falar com Ava, cortou o romance. Para canto. Ela era já amante de Fidel. Catrapiscou as notas que Ava escrevia ao homem que a seduzira por calçar meias trocadas. No átrio do hotel, Ava atacou-a: “Putéfia, és tu que ficas com as mensagens”, e enfiou-lhe uma realíssima lamparina. Um soldadito cubano ainda puxou da pistola. Fidel desmontou o arraial. E mandou um tenente capaz sossegar Ava nos dias de estada que faltavam. Com os cumprimentos de Cuba.
Se é para fazer, escrever, organizar livros, abençoada ausência.
Quanto ao post e à figura impec que o decora, estão como de hábito. São de verdade um regresso.
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Que belo regresso Manuel!
Belo texto! E cá fico à espera dos livros que anunciaste! Abraço
Enviado do meu iPhone
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Bom dia. Jà sentíamos a falta da “bica” (embora eu goste mais de um “balde” de café 🙂 ).
Por essa causa maior as faltas serão todas justificadas… penso que há algumas luas atrás se dizia “relevadas”, mas a minha memória ás vezes já me prega algumas partidas.
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