
Preciso de desabafar: acho uma coisinha achincalhante um jogador de futebol deitar-se no chão atrás da barreira. O meu amigo Nelinho Ramos, e se eu disse amigo, foi só para não dizer meu camarada de armas adolescentes e meu irmão e mano (olhem que isto não é bem uma redundância) foi o mais estiloso defesa lateral que o ASA, o velho Atlético Sport Aviação, várias vezes campeão de Angola, teve. Jamais Manuel Ramos, perdão, o meu irmão Nelinho, se deitaria no chão como um vencido, fazendo do seu rutilante equipamento um trapo.
Filho de pai europeu, o senhor Ramos, e dessa lenda angolana que era a Dona Elvira, Nelinho Ramos era, no seu tempo futebolístico, a epítome da elegância, camisola e calções irrepreensíveis, uma inteligência de jogador que ia a par com uma dedicação em que se podia rasgar todo, mas sem nunca perder a marca de classe. Direi um termo que ao palato de alguns portugueses parecerá estranho: Nelinho Ramos, defesa do ASA, meu mano, tinha banga. Uma banga natural e não de pose, banga que alastrou a toda a sua vida, à forma de guiar o Citroen boca de sapo com que atravessámos, de Luanda ao Bié, a Guerra Civil, até aos Boeings de que foi piloto. Tinha e tem, hoje mesmo, essa elegantíssima banga angolana.
Abomino o defesa de rastos a cheirar, atrás da barreira, o chulé dos seus companheiros. E olhem, na sua inestética desolação, serviu-me ao menos essa imagem para cantar o meu mano Nelinho, bom de bola, com quem tenho saudades de varrer uns finos a estalar, acompanhados com uns camarões, um caranguejo de Moçâmedes ou uma sapateira lusíada. Mas este ano não falhamos, meu irmão! Sem barreira, como há dias nos prometemos ao telefone, de Luanda e Lisboa.