Vamos lá a ver: como é que se faz um filme e quem é que faz um filme? Dou como exemplo essa gigantesca obra-prima chamada The Searchers, a que em Portugal se chamou A Desaparecida. O filme, um western, é de um tal John Ford, camoniano de pala no olho, mestre entre os mestres, mas intratável no dia a dia.
As filmagens de A Desaparecida era, e deixem que a prosa se me arraste para o chinelo, uma cambada de gajos, um acampamento ecuménico de escuteiros, cow-boys e índios, mexicanos e americanos.
Ford filmava as cenas de fuga e perseguição de cavalos e cavaleiros com a câmara em cima das mesmas carrinhas americanas, Ford e Chevrolet, em que eu andei, atrás, na caixa aberta, de monangambé, na minha Luanda colonial.
Um dia, John Wayne, que no filme era Ethan, o protagonista, passou por uma tenda e viu num choro convulso Beulah Archuletta, a actriz índia cuja personagem se casa, num cómico acidente, com o sobrinho de Ethan. Ela contou-lhe que o seu filho, o da vida real, se ia mesmo casar, mas que não poderia assistir à cerimónia por ter filmagens. Comovido, Wayne, conseguiu dar a volta a Ford: suspenderam-se as filmagens e o putativo racista Wayne levou-a, de Monument Valley, no seu avião, ao casamento na Califórnia. Os índios passaram a chamar-lhe “O Homem da Grande Águia”.
Não foi neste filme, foi em Mogambo, mas também tenho direito a aldrabar um bocadinho: um dia veio um produtor atazanar a mona a John Ford, dizendo que ele estava atrasado três dias nas filmagens. E, ai, o meu dinheirinho, como é que é? O senhor Ford julga que isto é subsidiado pelo governo de Portugal ou quê?!
Ford deve ter mudado a pala do olho direito para o esquerdo, que foi a forma de nem ver o patético contabilista ou lá quem era.
Agarrou no guião, no script, contou, uma, duas, três, quatro páginas, rasgou-as e virou-se para o patrãozinho: “Prontos. Já estamos dentro do prazo outra vez.” E, nesse filme, Ford não filmou mesmo as cenas que rasgou do script, prova insofismável de que nenhum filme confirma ou desmente a sua própria história, antes pelo contrário.
Na Desaparecida, e foi mesmo na Desaparecida, Ford foi mordido por um escorpião e levaram-no, de aflitos, para dentro de uma tenda. E lá voltou o senhor da massa num desespero de Scrooge, “e se o Mestre morre, que é que a gente faz? Temos aqui enfiada uma pipa de dólares”. John Wayne ofereceu-se para ir ao improvisado hospital ver o que se passava com Ford. Foi, viu. Lá volta ele, naquele passo bêbado, e diz: “Tá tudo bem, o homem está fixe. Quem morreu foi o escorpião.”
É esta a massa de que se fazem os filmes. Os melhores.
Publicado no Jornal de Negócios, no suplemento Weekend
Sou fã de John Ford, gosto dos filmes dele. De vez em quando revejo um.
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The Searchers, um dos mais belos começos e finais!
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