
Fugir. Todo o ser do pequeno Lázaro se concentra apenas nisso: fugir. É o Verão de 1942. Pé de ferro, mão de aço, o poder nazi, a sombra do bigode de Hitler escurece a Europa, mesmo o Verão de Paris. No Velódromo de Inverno da cidade luz, as milícias francesas, perfiladas e obedecendo às ordens da Gestapo, acabam de amontoar, entre gritos, desmaios e vómitos, doze mil judeus. Há homens, mulheres, crianças, um coro ainda sonoro de mães com bebés.
Foi particularmente quente o Verão de 42 em Paris? O que aqueles cativos sabem, sem comida nem água, é que o Velódromo escalda. E as mães, com os bebés a berrar baba e ranho, querem água para acalmar o sofrimento dos infantes. Há, em frente a uma das portas do Velódromo, uma mercearia. As mulheres empurram os seus guardas de negro vestidos, há um clamor, pedem, imploram, revoltam-se, esgadanham. O pequeno Lázaro, de 14 anos, encosta-se ao motim maternal. As mulheres – são 50, são 100? – conseguem forçar a porta e estão na rua, correm para a mercearia, os guardas descontrolados atrás delas. O pequeno Lázaro desvia-se para a direita. Ninguém tem os olhos nele, que o motim é íman que atrai e cola milícias, mães e bebés. Todo o ser do pequeno Lázaro, o coração, os músculos, a alma, se concentra na corrida de 30 segundos de que precisa para fazer um pedaço da rua Nélaton e virar à esquerda. Arranca a nefanda estrela amarela do seu fatinho parisiense e foge. Vira a esquina e sabe, numa euforia dolorida, que deixou para trás a ignomínia e a terrível morte.
No Velódromo, o pequeno Lázaro deixou pai, mãe e irmã, os Pytkowicz, que há quase 20 anos tinham chegado a Paris, fugidos da Polónia e dos pogroms, esse desporto que era assassinar judeus. No Velódromo pediu aos pais autorização para tentar fugir. A mãe não quis, mas o pai, percebendo um destino funesto no tratamento de gado que já era o Velódromo, deixou-o tentar a sorte.
Para onde irá o pequeno Lázaro, agora? Não pode regressar à casa abandonada, ao silêncio da mesa da sua sala, às flores da mãe que murcham e desfalecem no vaso. Vai para casa do melhor amigo da escola. A família francesa, brava, esconde-o. Levam-no para Lyon, onde a Resistência lhe vai dar família e estudos. Mas o ressuscitado Lázaro recusa: quer combater os nazis. Clandestino, chamado agora Petit Louis, passa a ser o insuspeitado agente de ligação dos Movimentos Unidos de Resistência.
A Gestapo prende-o, já tem 15 anos. Torturam-no e é mesmo Klaus Barbie quem lhe bate. Petit Louis, ardiloso, diz que tem um encontro numa praça de Lyon com uma figura chave da Resistência. A Gestapo acredita. Levam-no e, mal o deixam, para simular o encontro, a alma fugitiva do Petit Louis ressuscita e eis que corre em Lyon como se corresse em Paris. Disparam, não lhe acertam, consegue esconder-se debaixo do assento de um carro.
Queimado em Lyon, a Resistência leva-o para Paris. Volta a chamar-se Lázaro e são as milícias francesas que o prendem em 1944 e o entregam à Gestapo. Está num comboio, com destino à morte. Tem de mudar na gare de Lyon, em Paris. E volta a ressuscitar dos mortos. Na gare, subtil, passa da fila de gado para abate, para a fila dos franceses que passam. Pela terceira vez, Lázaro fugiu à morte.
Depois da Libertação, no liceu, chamam-no à sala do reitor. Um general francês entrega-lhe, em nome da França, a condecoração de Companheiro da Libertação. O pequeno Lázaro, 17 anos, mete a medalha no bolso para que os colegas não se riam dele, e volta ao lugar para sua aula de matemática ou língua francesa.
Publicado no Jornal de Negócios
O pequeno Lázaro, nos tempos muito modernos, seu único problema seria qual género, dos muitos em carteira e à mão de todos, escolher…
Intersexual! Salvador Sobral não consegue produzir testosterona (amicus facebooki generis) (feriadoauportugal.blogspot.com)
(Tive de mudar a foto da Lina para manter a amizade com o Facebook).
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Caríssimo Maturino
continuas imparável… haja Deus.
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