Deu-lhe um tiro! Mas onde?

Será a perna de Wanger? Foto de MS Fonseca *

Walter Wanger deu-lhe um tiro. Não houve cá fum-fum nem gaitinhas: um tiro e o homem no chão. E se gemera antes, mais gemeu a seguir. Eis o problema que ficámos com ele: onde é que o homem levou o tiro?

Wanger era um produtor de Hollywood e, se voássemos agora na “magic carpet” dos Steppenwolf da minha gloriosa adolescência, estaríamos em Los Angeles, no dia 24 de Fevereiro de 1951, no parque de estacionamento ao ar livre da grande MCA, a maior agência de talentos, céu e inferno dos actores, lugar de anjos e temíveis diabos.

Wanger andava com a cabeça feita num oito, porventura noves fora nada: produzira um filme, “Joan of Arc”, protagonizado por Ingrid Bergman. Previa-se um êxito arrasador, o rico povo americano às portas dos cinemas a querer fazer selfies com a bela Ingrid, mas eis que a sueca se apaixonou por um intectualíssimo pé rapado italiano, um tal Rossellini. Foge da América, abandona o marido e a filha – por um católico! –, afogando em escândalo e vergonha a alma de Hollywood: Joana d’Arc morria na fogueira pela segunda vez. Ninguém queria ver o filme e a bancarrota ameaçava Wanger: é que nem o Espírito Santo o salvaria, que Wanger, de católico nada tinha.

É a esta cabeça vulcânica que um detective privado diz que a sua mulher, a actriz Joan Bennett, criadora de arrebatadoras “femmes fatales” em filmes de Fritz Lang, esse casmurro que mandara Hitler bugiar, anda a ter um caso. Ter um caso, dito assim, parece uma minudência, mas o torvelinho que era a cabeça de Wanger bem via que isso significava que a sua Joan se despia, tocava, se enrolava com alguém, também certamente despido, num incendiário vai e vem, que só parece ridículo, e em nada aproveita, a quem está de fora.

Wanger, cujo nome se pronuncia como “danger”, meteu-se no carro e zarpou para a MCA. Lá estava, estacionado, o inocente Cadillac verde de Joan. Deu voltas, subiu e desceu a Hollywood Bld e, uma hora depois, a acusadora imobilidade do Cadillac ali estava a denunciar Joan. Wanger estacionou. Esperou em brasa e, aí estão eles: a sua mulher sai com o agente Jennings Lang, ambos irradiando, arrisco, esse bem raro que é a beleza e consolação.

Wanger foi directo e violento. Joan bem gritou: “Vai-te embora, deixa-nos em paz!” E Jennings, o consolado e zeloso agente, levantou as rendidas mãos ao ver a pistola de Wanger. Dois tiros! O primeiro foi roçar-se pelo Cadillac verde, o segundo furou o macio casaco e atingiu aquela área humana que todo o homem preza e que, a tudo ser verdade, Joan também acarinhava.

Ora, aqui, a autoridade divide-se. Uns dizem que sim, em cheio, pelo menos um testículo tombou em combate, outros asseguram que foi na virilha, tiro limpo, preservando a “manhood” de Jennings, que a tudo sobreviveu, anos mais tarde passando a produtor, responsável por dois filmes, “Play Misty For Me” e “High Plains Drifter”, desse outro marco de virilidade, de que nem o #metoo se queixa, que dá pelo nome de Clint Eastwood.

Houve quem jurasse que o tiro de Wanger não foi sequer para atingir Lang, mas sim furar a alma dos milhões de puritanos que não foram ver o filme de Ingrid. Mas Wanger desmente: “Todos falam mal dessa cáfila que são os agentes. Eu fiz qualquer coisa.” Fez e o juiz deu-lhe quatro meses de amena prisão numa quinta reformatório, de onde voltou para o regaço de Joan.

E o tiro, afinal? Nascido de um casamento posterior, um filho de Jennings Lang foi peremptório: “A vital nobreza do senhor meu pai não foi beliscada pelas balas tresloucadas de Walter! Não foi atingido ‘in the balls’. Sou disso a prova viva!”

Publicado no Jornal de Negócios

*Doravante, por questões que se prendem com possível conflito de direito de autor, todas as fotos deste blog são minhas.

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