Um prazer sem vergonha

O in-famoso Scotty

O que Vivien Leigh gemeu: parecia até que à sua cama chegara o vento que tudo leva! E juro que não estou a falar do filme que a imortalizou. Esqueçam Vivien Leigh: quero é apresentar-vos Scotty. Só assim, Scotty – ele que se chamava George Albert – tornou-se uma figura lendária de Hollywood, quase tão belo e de corpo tão perfeito como Vivien Leigh.

E agora vejam, Scotty voltou da II Guerra sem traumas apesar de ter estado na batalha de Iwo Jima, e está de mangueira na mão a verter gasolina, no cruzamento da North Van Ness com a Hollywood Boulevard. O condutor, o actor Walter Pidgeon, impressionado com a beleza de Scotty, pergunta-lhe se não quer vir dar um mergulho na piscina da sua mansão. Ora Scotty via a vida com um optimismo do tamanho de um tsunami, uma boca que se proibia de dizer a palavra “não”. Foi. E começou ali uma carreira de serviço público que tomara muitos dos nossos ministros.

Para que conste, o sexo penetrara na vida de Scotty pela mão, digamos assim, de padres católicos, ainda ele era uma dulcíssima criança. Como mais tarde, o cientista Alfred Kinsey estudaria com beatífico espanto, Scotty encarava o sexo com santíssima bonomia, providenciando-o a mulheres e homens com a mesma alegria com que atestava os amplos tambores de combustível de um Chevrolet ou de um Plymouth. E nem da mão impertinente dos padres guardava ressentimento.

Junto um pormenor. É relevante. A Scotty, o Senhor Nosso Deus, na sua omnisciente imprevisibilidade, dotara-o de um savoir-faire e de uma souplesse (ele há coisinhas que só mesmo em francês) que convertiam o sexo num festim de liberalidade, poeticamente inocente, tanto visto pela frente como visto por trás. Em suma, era muito bom naquilo. E não vou, com estes juízos técnico-éticos, esquecer-me do tal pormenor: se alguém se sentasse ao colo de Scotty, por mais em repouso que a sua virtude estivesse, logo se sobressaltaria e desfaria em endechas à bárbara escrava que ele ali tinha cativa.

E agora percebem a fila (ah, pois) que se fazia na estação de serviço: vinha toda a Hollywood fechadita no armário. De Cary Grant ao virilíssimo Randolph Scott, do maciço Raymond Burr da “Janela Indiscreta” a Charles Laughton, passando pelo melodioso Cole Porter, Scotty foi um bálsamo na vida deles. Spencer Tracy e Katherine Hepburn, o duque e duquesa de Windsor recorreram à vigorosa amabilidade de Scotty.

Scotty, em 2012, publicou a sua autobiografia. Chamou-lhe “Para Todo o Serviço: as Minhas Aventuras em Hollywood e as Vidas Secretas das Estrelas”. O escritor Gore Vidal, na última aparição pública antes de morrer, veio ao lançamento atestar duas coisas: a exaltação de ilhas dos amores que experimentara com Scotty e a certeza de que ele em nada mentira por não saber o que mentir fosse.

 A ética de Scotty impedia-o de tirar partido dos amantes. Pansexual, digo eu, copiando o sexólogo Kinsey que o estudou, Scotty jamais chantageou. Na sua carreira de cálidos serviços, que vai de 1946 com o citado Pidgeon, então a 20 dólares por noite de prazer, a 1980, viveu em genuína confiança com os seus amantes. Só queria prodigalizar alegria: a felicidade deles, homens ou mulheres, era a sua felicidade. Tirava prazer do mistério e da clandestinidade, e como só as melhores companhias de seguros poderão gabar-se, garantia segurança e confidencialidade.

Ah, sim, o terramoto de prazer que lá em cima, no começo desta crónica, assolava o corpo de Vivien Leigh, essa tormenta que, aqui, no fim se amansa, é culpa do prodigioso Scotty, que nela a pena descansa.

Publicado no Jornal de Negócios

2 thoughts on “Um prazer sem vergonha”

  1. Esse ser polivalente garantia segurança e confidencialidade. Mas hoje tudo se sabe. Eram os beneficiários que falavam da instituição Scotty?!

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