¿cuántas criaturitas ha chupado usted?

La Bruja, cantada por Tlen Huicani. Descaradamente, mas com a devida vénia, picado do belíssimo mural de Carolina Floare Borona

Ay! dígame, dígame,
dígame usted,
¿cuántas criaturitas
Se ha chupado usted?

Ninguna, ninguna,
ninguna no sé,
ando en pretenciones
de chuparme a usted.

Os Tlen Huicani, uma espécie de Giacometti lá do México, são, desde 1973, fabulosos e genuínos intérpretes do património musical mexicano, mais especificamente de Vera Cruz. Entre Finados e Dia de Todos os Santos, para reencontrarmos os nosso mortos e as nossas bruxas, no casamento de vida e morte que são todos os dias desta nossa humaníssima vida, em que todos andamos en pretenciones de chuparnos a usted.

Aznavour, le regard de Charles

Saí há minutos da sala de cinema. Fui ver Aznavour, le regard de Charles (Aznavour por Charles, em português). Eu sempre vi e ouvi nas canções de Aznavour, além da voz e dos violinos nos tempos certos (como se eu soubesse, valha-me Deus – mas era como se desculpava, em vida, o meu velho amigo Chico Grave, por tanto gostar e por ter aprendido com o Zé Mário Branco), sempre ouvi, dizia eu, outro som, outro anseio que ia bem mais longe do que a aparente sentimentalidade das palavras e da composição, a que se juntava a expertise do crooner.

Este filme, delicioso e nostálgico, veio dar-me razão. Edith Piaf, em 1948, deu uma câmara de filmar a Aznavour, que era então seu secretário. De 48 a 1982, Aznavour filmou tudo e filmou-se todo. Há quem tenha um diário, quem vá escrevendo textos para memória futura. Aznavour, em 8 e 16 mm filmou a sua vida, à procura das suas raízes e desraízes arménias e outras, filmou a sua luta para vencer preconceitos e barreiras no mundo da canção, filmou Marrocos, Argélia, Senegal, quem sabe se a Luanda onde esteve nos anos 60, filmou a América e a União Soviética, Hong-Kong e Macau, o Japão. Filmou as mulheres que amou, o filho que as drogas mataram aos 25 anos, filmou os amigos e Paris, Veneza, o mar. As imagens são de uma sinceridade tão amorosa como pungente. Há nelas um olhar, porque Aznavour tinha um olhar, carregado de uma sempre insatisfeita ambição à procura dessa coisa francesa a que eu chamaria bonheur. Felicidade? Talvez, mas o bonheur francês sugere um bem estar tranquilo, um contentamento de boa hora, de que a agitação sonora da palavra “felicidade” nos afasta e perturba.

O fio narrativo em off recupera textos, entrevistas ou letras das suas canções. É de uma sensibilidade admirável, pela exposição e pelo conhecimento de si que procura e alcança. Marco Di Domenico, a quem Aznavour entregou os filmes e a missão de os converter neste documentário (que é um bela peça de ficção) de menos de 90 minutos. A homenagem que lhe faço é que gostaria de ver ainda mais, e de passear com ele pelos inesgotáveis quilómetros de imagens que ficaram no arquivo.