Muro e amok

Muro

Foi em Ber­lim. Fui lá, pri­meira vez, em 1984. Jovem crí­tico a entre­vis­tar uma jovem cine­asta. Pou­cos dias, de visita gui­ada, e era um mundo que res­pi­rava um ar — expe­ri­men­tal, artís­tico, sexual — que não exis­tia ainda nesse Por­tu­gal que se ia roçando pela Europa. Mas havia outra coisa em Berlim: um Muro. Havia sem­pre um Muro a atravessar-se. Ber­lim ocidental era uma ilha sofis­ti­ca­dís­sima e aper­ta­dís­sima, com um Muro à volta.

Não admira que lá tenha des­co­berto o amok. Acon­te­cia, em geral, ao fim de semana. Um tipo, um qual­quer tipo, passava-se e desa­tava, raivoso, a con­du­zir como um louco por cima dos pas­seios, con­tra os sinais e com gente (pare­ciam pes­soas e eram pes­soas) a voar para den­tro de pro­tec­to­ras por­tas. Pen­sei que era lenda. Até ver o amok, à frente des­tes olhos que algum dia um jacaré há-de comer. Malhas que o Muro tece. Era, tinha de ser, insuportável tanta insu­la­ri­dade murada.

Cinco anos depois, o Muro caiu. Há 30 anos que Berlim voltou a ser uma cidade una, completa, como na tarde de 13 de Agosto de 1961, quando Billy Wilder estava a filmar One, Two, Three, na porta de Brandeburgo. Descobriu, quando voltou ao cenário, na manhã de 14 de Agosto, que um muro já dividia o cenário ao meio. Hei de escrever uma crónica sobre isso.