O Gil

Morreu ontem Gil de Carvalho. Morreu ontem um poeta. Gil de Carvalho foi um dos fundadores da Três Sinais Editores, a casa editora da qual nasceria, depois, a Guerra e Paz, de cuja equipa inicial Gil de Carvalho fez também parte.

Mas foi a escrita, a poesia (o «coitus cantabile» da sua poesia, de «Alba» e «Aboiz» a «8») , algum ensaio («A Dama Luminosa»), os relatos, de língua a passear entre os lábios, de «A Cidade de Cobre», a sua paixão pela poesia chinesa, as suas deambulações pelos poemas anónimos mongóis, turcos e outros incertos, que marcou e encheu uma vida vivida neste mundo à margem deste mundo.

Ia dizer que nos despedíamos agora, mas a ideia de alguém se despedir de Gil de Carvalho é uma ideia bizarra e ilusória. Há um eco de Gil de Carvalho, da sua linguagem simultaneamente escassa e deslumbrante, que sempre permanecia a preencher a sua ausência. Gil Abrunhosa, Gil Nozes de Carvalho, Gil de Carvalho, de que Gil afinal nos despediríamos?

Talvez amanhã eu consiga alinhavar os estilhaços estereofónicos que, agora, esta ideia da «morte do Gil», meu amigo desde os 18 anos, me faz passar, como um rio turvo, entre a memória e o esquecimento.

Morreu Gil de Carvalho. morreu um grande poeta português, um daqueles raros poetas que vai ser maior e mais presente à medida que os anos passem.

Manuel S. Fonseca, editor

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