Um presidente também ama?

Dalida: deu luz a uma rua

Sabemos quem foram as amantes de Mitterrand, presidente dos franceses. Mas quem foram as amantes dos presidentes dos portugueses?

De Georges Pompidou, outro presidente gaulês, sabe-se que chegou a ir a festas de swing, que é como quem diz, tens aqui para a troca. Foi mesmo a partouzes: a usarmos metáfora gastronómica o partouze é uma espécie de buffet, vai-se petiscando em regime de self-service.

Consta que Jacques Chirac, outro presidente dito “tombeur de femmes”, destilava um tal charme e sopro de sedução que, fosse onde fosse, num comício partidário, à saída de uma inauguração, consumava de forma fulgurante paixões que irrompiam à primeira vista: eram cinco minutos com banho incluído.

Outra elegância, era a de Giscard d’Estaing. Num romance em que a crítica francesa sentiu o perfume de Marguerite Duras e as labaredas de um erotismo à la Robbe-Grillet, Giscard soltou a sua concepção de amor: leiam “Le Passage”. Nas memórias não se inibe e de uma das suas paixões diz: “A sua pele é quente e, sob a lã, tão macia, quase frágil, ela reage com um arrepio defensivo à invasão dos meus lábios.

Eu diria que nos fazem falta presidentes assim. Ou talvez os tenhamos tido, sedutores, ternos ou vigorosos na cama, apreciadores das artes até, mas sem a gaulesa ousadia de se exporem, não ocultando das suas memórias os episódios mais cálidos.

Giscard evoca mesmo a princesa Diana. Sobre esse amor mais gentil que clandestino, escreveu outro romance, “A Princesa e o Presidente”. Num gesto de compaixão e de nostálgico afecto, terá vindo, logo que soube, ao local do sinistro em que Diana morreu em Paris.

E peço desculpa a Mitterrand por tê-lo deixado a secar desde o primeiro parágrafo. Amou a bela Dalida. Os meus leitores não têm idade para isso, mas Dalida era a exogeneidade em carne viva: filha de italianos, nascida no Egipto, país de que foi Miss, Dalida cantou “Vinte e Quatro Mil Beijos” em todas as línguas, incluindo a de Mitterrand.

O presidente baldava-se aos serviços secretos e vinha dormir com ela a Montmartre, a uma ruela que poderia ser da Mouraria, sem candeeiros, a rue d’Orchampt. Qualquer um lhe podia dar um tiro ali. Uma manhã, Dalida acordou com a rua a trepidar, os martelos pneumáticos a abrir buracos. Mitterrand tinha mandado pôr candeeiros e os vizinhos agradeceram: “Graças a Dalida temos luz na rua!” Mas ao contrário de Giscard, Mitterrand não teve a amorosa empatia final: faltou ao funeral de Dalida. Estava outro amante, Alain Delon, na primeira fila.

E as mulheres? As rainhas, as presidentes, as mulheres de primeiros-ministros. Seria fácil falar do rosário de amantes de Catarina da Rússia ou da Rainha Vitória. Prefiro que abram alas e aplaudam a aristocrata inglesa Lady Dorothy, mulher de Harold Macmillan, primeiro-ministro conservador. Dorothy tinha já filhos de Harold quando a sua insatisfeita vontade de mais mundo, mais excitação, mais arrebatamentos a levou aos braços de Bob Boothy, também conservador e membro da Câmara dos Lordes. A paixão só terminou – se terminou! – quando Dorothy morreu. O imaculado Harold, no poder, suportou sem um ai! essa libérrima expansão de Dorothy e assumiu mesmo a paternidade de Sarah, a filha nascida daquela paixão.

E agora vejam: nem um jornal, rádio, televisão abriu o bico para referir, ironizar, chafurdar uma situação impossível de esconder. Nas memórias, “Lembranças de um Rebelde”, publicadas 12 anos depois da morte de Dorothy, Boothy não menciona nunca o longo affaire. A Bob Boothy, Harold fê-lo barão. Este grau de civilização é-nos hoje estranho.

Publicado no Weekend, do Jornal de Negócios

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