
O melhor do comunismo soviético foi o humor. Ouçam: desapareceu o mítico cachimbo de Estaline. Ele chama Beria, chefe dos seus Pides, para investigar o roubo. Mas Estaline encontra o cachimbo atrás de um sofá. Liga e conta a Beria. “Como assim, camarada – diz Beria – já fuzilámos três que confessaram!”
A tradição de humor negro já vinha da Rússia czarista. A brutal opressão bolchevique reforça-a. E espalha-a aos países da Cortina de Ferro. “Anedotas da Alemanha do Leste” é uma louca recolha de Reinhard Wagner, e “Humor atrás da Cortina de Ferro”, tem a surpreendente autoria de Simon Wiesenthal, o caçador de nazis. Calin Stefanescu recolheu “Dez anos de humor negro romeno”, sobre a ditadura comunista de Ceausescu:” O que é que no Inverno romeno é mais frio do que a água fria? A água quente!”
Uma “anedokt” dava direito a dez anos de gulag, essa antecâmara da morte para milhões de soviéticos, e até isso foi matéria de humor: um juiz sai a rir-se, descontrolado, da sala de audiências. Outro juiz pergunta-lhe porquê: “Camarada, acabei de ouvir a melhor piada de sempre.” “Diz lá, diz lá”, pediu o segundo juiz. “Ah, não posso, acabei de condenar a dez anos o insurrecto que a contou.”
Para os bolcheviques a tarefa da comédia soviética era “matar com o riso” os inimigos e “corrigir com o riso” os que fossem leais ao regime. Mas o alcance catártico do humor soviético estilhaça essa pretensão de catequese. Ora ouça-se: incógnito, o camarada Estaline estava a nadar num lago. Começa a afogar-se. Um camponês, que vai a passar, atira-se á água e salva-o. Estaline já respira e pergunta-lhe: “Camarada, que recompensa lhe posso dar. Peça o que quiser.” Percebendo quem salvara, o humilde camponês diz: “Não quero nada, nada, camarada. Só peço que não diga a ninguém que fui eu que o salvei.”
Os soviéticos corriam risco só pelo prazer de contar, uma espécie de deleite com as palavras e ideais proibidas: na cidade de Arkhangelsk, o fogo arrasou a delegação do KGB. O telefone toca: um cidadão pede ajuda. Responde o telefonista: “Camarada, não podemos ajudar, o KGB ardeu”. Passam cinco minutos, novo telefonema. “Camarada – repete o telefonista – lamentamos não ajudar, mas o KGB ardeu.” Nem cinco minutos e novo pedido de ajuda. O telefonista reconhece a voz: “Mas é a terceira vez que liga, já lhe disse que o KGB ardeu!” A voz do outro lado: “Eu sei, não imagina o que gosto de ouvir isso!”
Outro objectivo: cultivar o gosto do absurdo: uma ovelha tenta fugir da URSS e na fronteira, a polícia pára-a. “Porque queres ir embora?”. “Por causa do KGB. Estaline mandou-os prender todos os elefantes!” “Mas tu não és um elefante.” “Vai lá explicar isso ao KGB!”
Uma das primeiras decisões de Nikita Khruschev, após a morte de Estaline, foi a de libertar dos gulags os prisioneiros que lá tinham ido malhar à conta da ousadia da “anedokt” política – “Era dura a vida no Gulag? Ora, só os primeiros dez anos!” – o que não impediu que o próprio Khruschev fosse alvo de piadas. Para dinamizar a suinicultura, visitou uma quinta e o jornal local fotografou-o, sozinho, no meio dos porcos. Como legendar a foto: “O camarada Khruschev no meio dos porcos”, “Os porcos e o camarada Khruschev”, “Khruschev rodeado de porcos”? O excelente editor resolveu: “Terceiro a contar da esquerda, o camarada Khruschev.”
E o imparável Khruschev contou mesmo, no famoso discurso do 20.º Congresso, uma “anedokt”. Disse ele: “O camarada Estaline teria gostado de deportar todos os ucranianos.” E rematou: “Não sabia era onde metê-los!”
Publicado no Jornal de Negócios