Foi um beijo paz na Terra aos homens de boa vontade, mas ia caindo o Carmo e a Trindade. Quem me disse, na longínqua Luanda dos meus 12 anos, que numa noite dos Oscars a mediterrânica Anne Bancroft beijara o lírio do campo que era Sidney Poitier? Terá sido o Cesarito, que a minha mãe achava ser o meu amigo mais bonito, para logo ele se rir, pois, pois, por eu ter nariz de branco, não é?
O Cesarito era a cara chapada de Sidney Poitier e do que eu gostava nos dois, era da serena e irónica afirmação de igualdade. Poitier tanto podia ser, como foi em “Blackboard Jungle”, um professor, ou ser o handy-man que foi em “Lilies of the Field”, filme que lhe deu o Oscar e o beijo de Bancroft.
Mas nem é de Poitier, nem do escândalo americano desse beijo, nem das camionetas de correio de ódio que Bancroft recebeu, que quero falar. Nem sequer das ameaças de morte que o beijo a Poitier fez desaguar em casa dela. Quero falar de empoderamento, um palavrão horroroso. Sem usar a palavra ou as jeremiadas que se lhe colam com cuspo, Anne Bancroft foi mulher e fortíssima. O nome verdadeiro, Anna Maria Luisa Italiano, era já todo um programa. Cabelo pretíssimo, pele morena, maçãs do rosto tão altas que de lá se podia ver a terra inteira, boca e nariz com a perfeição que as orações dos catolicíssimos pais encomendaram a Deus, Hollywood obrigou-a a mudar de nome e ela escolheu Bancroft. Da lista proposta era o único que não parecia apelido de stripper. Olhos de fumo, voz de fumo, quando estremeceu em Hollywood foi triunfar na Broadway, obrigando o cinema a voltar, humilde, pedir-lhe que regressasse e se imortalizasse como Mrs. Robinson, no “The Graduate”, de Mike Nichols.
Na Broadway, ia a meio de um monólogo e uma espectadora levantou-se para sair. Interrompeu-a: “Querida vai sair? Por favor, meu bem, estou mesmo a acabar. Dê-me só mais uma chance!” E houve outra espectadora que tossia, tossia, até acabar por se levantar. “Já não era sem tempo – disse-lhe Anne –, beba uma água ou qualquer coisinha.”
Casou para a vida com Mel Brooks. Foi Anne que o pediu em casamento e ele não tinha, então, um vintém. Mel contava que, no restaurante, ela lhe passava notas por debaixo da mesa para ser ele a pagar. Mas assumia o poder: “Isso é gorjeta a mais. Calma lá, é o meu dinheiro!”
Era fantástica! Voz de fumo, sim. Só me lembra a Bacall, senhora de grave e fumarenta voz.
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Bem comparado.
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Recordo-a também no último filme de John Ford Sete Mulheres, passado algures na China.
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Claro, grande filme de Ford e da Bancroft.
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