A lembrar Claude Chabrol

Chanrol
Claude Chabrol

Claude Chabrol passou por Lisboa no começo de Novembro de 1987. Era convidado da Cinemateca. João Bénard era a alma da programação e dirigira-lhe o convite. Luís de Pina era o director da casa e fazia com Bénard a mais perfeita dupla de anfitriões. Aprendi com eles uma boa dose de gentileza, uns pós de boas maneiras, e gostaria de ter aprendido essa certa grandeza – eram dois tipos fisicamente imponentes para portugueses – que fazia os convidados deles sentirem-se importantes por se saberem reis ao pé de reis.

O organizador do ciclo e do catálogo que se dedicou a Chabrol foi este vosso servo. Escrevi a nota de abertura e o agradecimento canónicos – lembro-me que estranhamente conseguimos o patrocínio da L’Oreal – e acrescentei-lhe um curto texto de 12 páginas da minha lavra em que, à vol d’oiseau, lhe passei pela vida e obra. Pouco interessa: é papel impresso que ficará – já está – esmagado debaixo de toneladas de mais papel impresso.

O que interessa é que Claude Chabrol se revelou um dos mais animados visitantes que já tínhamos tido. Generoso, transbordante, tanto como gentil fora, noutra visita, Jacques Demy, outro dos expoentes da famosa nouvelle vague, que cá veio de visita. Truffaut, Rohmer e Rivette nunca puseram os pés na nossa Cinemateca. Godard veio por um dia mas é outra missa e Agnés Varda, a roçar a potassa, casada que fosse com Demy, já não era bem da capelinha e veio fora do meu tempo.

Com Chabrol foi um fim-de-semana de conversa fiada e aventuras paisagístico-gourmets. Não veio, com pena nossa, a Stephane Audran, mulher dele, a que, tanto gostando de mulheres, foi fiel como realizador, e muito menos a Bernardette Lafont de Les Bonnes Femmes e de Les Godelereaux onde aparecia pulposa, o rosto deliciosamente malandro e o comovente par de lindas mamas (“mamelles, c’est ça, soyons serieux, messieurs”, não juro, mas talvez tenha sido o que disse o seu metteur-en-scène, na ceia tardia no Bacchus) que faz le bonheur desses filmes.

Lembro-me. E da paixão com que falou dos livros de h.p. lovecraft. E lembro, lembro, a olhar para a letra quase escolar dele, incerta e desajeitada da ponta de feltro, na página de rosto do catálogo, de me ter escrito “… en souvenir d’un séjour trop court mais plus qu’agréable…” Foi a 8 de Novembro de 1987. E assinou por baixo. Foi, é bom de ver, simpatia natural de um tipo risonho. Pura urbanidade. Permanece uma das minhas alegrias.

Audram
Audran, à direita em primeiro plano, Bernardette ao centro, tão lindamente oferecida.

3 thoughts on “A lembrar Claude Chabrol”

  1. (no meu comentário a um texto anterior, não quis de forma alguma reduzir o valor de Bénard da Costa, enquanto escritor e grande homem de cultura. Quis apenas dizer que gosto mais da forma solta e feliz, que caracteriza a forma com que o Manuel escreve…)

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