Quando a Epicur estava viva, eu ia, Primavera, Verão, Outono, Inverno, comer os bolos que lá me davam. Era pelo menos assim que se chamava a página da minha crónica: “Disseram-me que davam bolos.” Está foi polémica.
“Disseram-me que davam bolos”, chama-se esta coluna. Prometi bolos e já me distraio com o decote de Madonna. Passou à minha frente, nos MTV Movies Awards, em Los Angeles, quando me convidavam para miminhos desses.
Sei muito bem o que é um decote. Reconheço o altíssimo sobressalto que um esmagado e espevitado par de cativas pombas, chamemos-lhes assim, provoca no escasso corpo de um homem. E é verdade que este é o decote de Madonna, mas umas costas nuas! Nada se compara ao vestido de finas alças nos ombros, estuário aberto que se vem fechar sobre as cinco fundidas vértebras do sacro – incomparável é a geografia de umas costas nuas.
Prometi bolos e, afinal, espreito um decote. Não obstante, se há prazer que merece ser celebrado, é o das costas nuas. À frente, há uma planície venusiana, certo? Mas atrás! Espaços abertos, duas rasas margens de um vale com um rio de vértebras ao meio. Ebúrneas e delicadas, castanhas e bronzeadas, de acetinado ébano, cantemos, de uma mulher, e logo desta mulher, as costas nuas.
Obcecado com a promessa de bolos, ainda não disse de quem são as costas. As costas, cósmicas, praia de Deus, são as de Sharon Stone. A dois metros de mim, umas alças, feitas do tecido “o rei vai nu”, seguram-lhe o vestido, que só começa onde lhe acabam as doces vértebras. Uma visão a tentar fazer-nos esquecer que estamos no ano de “Basic Instinct”, filme em que os nossos olhos se focaram na sombra da sua recôndita e faiscante arqueologia.
Qualquer turista ataca as vistas frontais, para ver o garantido périplo que vai das gémeas torres Eiffel, que Jean-Paul Gaultier desenhou a Madonna, à gruta de Lascaux, que Courbet pintou, à sua escandalosa maneira, chamando-lhe a origem do mundo. Mas as costas nuas! As costas nuas pedem a didáctica tensão de um Ovídio, a persistência do lento aprendiz de uma “Ars Amatoria”.
Viajemos, vértebra a vértebra, as costas de Sharon Stone. Mais breves do que um soneto, cinco versos cervicais levam-nos da cabeça à linha de ombros. Cinco versos, cinco anéis de ouro e prata a pedir o escorregadio beijo dos lábios, os dedos em cacho, como no “Cântico dos Cânticos” se vindimava em En-Gaddi.
Dois dedos abaixo, para cantar a vagabunda beleza torácica e lombar das costas nuas, ninguém consegue calar o rei Salomão. Ele nunca viu Sharon Stone e já implora: deixa-me ser o pastor que apascenta os teus rebanhos. A estas estepes atravessa-as o mais móvel dos túneis – nas firmes costas, subliminar, subterrânea, há uma lírica trança gelatinosa e óssea. Trança – não, não é um bolo! – que reverbera a cada toque da polpa de uns dedos, sopro de uns lábios, encaracolados cabelos que nela se rocem.
E, no entanto – Sharon Stone não é Galileu! – nem tudo se move. Estão imóveis e fundidas as cinco vértebras do sacro, imóveis e fundidas as quatro vértebras do cóccix. Imóveis e fundidas como sólidas amarras que segurassem o suspenso e oscilante jardim babilónico logo abaixo. Sem essas vértebras resilientes, nunca o poeta poderia ter dito: “Eu entro no meu jardim, eu como o mel, o favo.”
Cauda equina de tão nervosas raízes – ai jardim, já o vestido te esconde, para que melhor te adivinhemos. E por mais que o manto tape, desenham-se nele redondas montanhas, promessa de neves no Kilimanjaro.
O amado, que desceu em beijos cervicais, que correu torácico, que vadiou no bálsamo lombar, que estremeceu no imóvel rigor sacrococcígeo, suplica agora à amada: “Pela frente ou por trás?” E ela, voz de Inverno, rosa de Sharon, perdão, de Saron: “Ó meu amor, pela frente ou por trás, para mim tanto faz.”
Já o Sheik Nefzaui dizia há mais de 500 anos que o corpo da mulher era Um Jardim Perfumado. Agora quanto a posições os sexólogos dizem que por trás é “à canzana”, pela frente poderá ser qualquer do Kamasutra, até a do missionário serve.
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Fiquemos, caro Albertino, pelo jardim perfumado… 🙂
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D. Manuel, Isto é um post com bolinha, muito erotizado. Vou fazer queixa ao Menino Jesus, já aviso. Mas também ele aparece nuzinho de todo, talvez que até mesmo uma palhita aqui ou ali, ou um escorrimento de baba dos animais que têm alguma dificuldade em controlar a beiça. O mundo não é perfeito está visto. E ainda bem, senão um Deus não tinha descido a uma manjedoura e não havia Natal para ninguém. Portanto temos que agradecer ao mal haver Natal; rima, e é verdade; ou não será.
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Claro que é muito bom haver Natal. pelo encanto, magia, mistério, redenção. O que seria da antropologia e da sociologia sem o Natal? 🙂
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